A hora do galo (Crônica)

Na hora grande da noite, no momento em que a lua se esconde, mas continua brilhando timidamente por trás das nuvens. As luzes amarelas dos postes bem longe vão ficando cada vez mais fracas, os ladrilhos da rua são tão separados que é possível contar. Os riscos de giz no chão das crianças que brincavam durante o dia ainda se fazem presentes. Aquela rotina atordoante, que se repete e se repete, sempre em um ciclo sem fim, era refletida em todo lugar quando o bairro dormia.

O cotidiano, diria assim. Se fez, se faz e nunca muda. De manhã as mulheres pobres saem para lavar as roupas dos homens ricos, recebem alguns tostões por cada peça. Sei que as engomadas são mais caras, eu mesmo fui lá algumas vezes. Já as mulheres ricas vão levar as roupas de seus respectivos maridos para as “lavadeiras”. Os homens pobres se vestem com roupas sujas e vão para o canavial num ônibus velho, lotado. A marmita fora preparada durante a madrugada já que a rotina incessante começa às cinco da manhã quando o bairro acorda com seus rugidos de zona urbana marginalizada. Esses homens costumam comer suas marmitas mais ou menos uma hora da tarde, geralmente estão ensebadas, frias e nojentas, muitos já tiveram algum tipo de infecção alimentar por isso.

Os homens ricos saem com seus trajes engomados e limpinhos uma hora mais tarde, vão para os escritórios da cidade grande. Alguns atendem telefonemas, outros fazem papeladas, mas a maioria passa o dia consumindo vídeos estranhos no computador. Digo homens ricos, mas eram moradores de um bairro pobre. Essa coisa de rico e pobre é bem confusa, sempre vai ter alguém que tem mais que você. Esses fizeram um cursinho ou outro e possuem uma renda maior do que as dos demais.

As mulheres “ricas” iam deixar seus filhos na escola, esses estudavam na Portela, ensino privado que ficava uma quadra da municipal ao qual as crianças sempre foram a pé e sozinhos. As diferenças se extinguiam depois das aulas, mais ou menos ao meio-dia quando todas as crianças do bairro brincavam juntas pelas ruas de pedra. Sei que seria importante lembrar o nome do bairro, mas estava anotada num papel, e sem querer acabei deixando cair um pouco de café nele. Sei que se passa em algum lugar de Minas gerais… mais precisamente em Uberlândia, alguma cidade minúscula que fica aos redores ou algum bairro dali. A cidade teria uns dez ou quinze mil habitantes, já o bairro umas cem ou duzentas pessoas morando.

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